Saturday, March 17, 2007

São Paulo e sua Música



Clipe da cidade de São Paulo, ao som de Sinfonia Paulistana


Eu sou paulistano do Bixiga.

Devo ter vivido naquele bairro por um ou dois dias, que foi o tempo que minha mãe ficou no hospital. Mas mesmo assim, eu nasci lá, na maternidade do agora (infelizmente) extinto Hospital Matarazzo (... da força da grana que ergue e destrói coisas belas; já profetizava Caetano). Ficava em uma travessa da Avenida Paulista.

Vivi em São Paulo por breves onze anos da minha vida. Depois veio São Bernardo, Americana, Rio Grande, Balneário Camboriú, Florianópolis, Curitiba e agora, fora do Brasil, Cidade do Cabo.

Apesar de toda essa migração, e desses 20 anos de separação da terra natal, eu sou e continuo me sentindo muito paulistano. Até um pouco do sotaque e das gírias eu uso até hoje: semáforo é farol, atendo o telefone (em português, claro) dizendo "aloah" e uma série de outras coisas que me fogem a mente no momento. Além disso, o passo sempre apressado e a mania de trabalhar (sabem como é, na prece do paulista, trabalho é o Padre-Nosso...) denunciam minhas origens.

Vejo São Paulo com a cidade mais acolhedora do planeta, mas vou escrever sobre isso em outra oportunidade. Esse ensaio é sobre a músicalidade da terra dos bandeirantes, que me enchem de alegria e saudades. Mas, brevemente, devo dizer que pela miscelânea cultural de tantos povos e etnias, São Paulo é deveras singular.

E toda essa singularidade paulistana se reflete na sua música e seus compositores. A música de São Paulo, brasileiríssima por excelência, é muito pitoresca no sentido de que em suas mais profundas e tradicionais raízes, mescla o samba canção com o sotaque italiano, criando canções de sonoridade única. Claro, há também várias outras linhas músicais bem características, como o Rock'n'Roll d'Os Mutantes e do Ira!, as canções escrachadas e as performances teatrais do Língua de Trapo e do Premeditando o Breque, os sambas com sotaque da Móoca da saudosa Miriam Batucada, o pioneirismo do movimento punk no Brasil por Kid Vinil e o grupo Magazine, além de vários outros que me escapam à memória no momento. Mas o samba canção paulistano é o mais típico, na minha modesta opinião. Lembrem-se: eu não sou músico, e não conheço muita coisa de música (meu negócio é lula); sou só um humilde apreciador. Aos gabaritados que por ventura lerem essas linhas, solicito compreenção ante a minha limitação no tema.

Talvez a mais conhecida delas, que nem criada por um paulistano foi, revela nos arranjos e na melodia toda essa panacéia paulistana. Falo de Sampa, composta e gravada por Caetano Veloso em homenagem à paulicéia desvariada. A música fala das impressões de um baiano vivendo na terra da garoa; como é muito conhecida, vou me abster de postar a letra. Mãããããããsssss... deixo clipe abaixo, para quem quiser ouvir a música online:



Outro nordestino que foi seduzido pela cidade de São Paulo (tanto que nunca mais foi embora) é o gênio musical Tom Zé. Embora a obra de Tom Zé seja até certo ponto menos conhecida do que a de seu conterrâneo, o garoto de Irará é tão (ou algumas vezes, até mais) genial do que o menino de Santo Amaro da Purificação. Em homenagem à terra que o adotou e acolheu, Tom Zé nos honra com a algumas canções que tem São Paulo como tema, das quais deixo a seguir letras de duas delas:

SÃO SÃO PAULO

São São Paulo, quanta dor
São Sâo Paulo, meu amor

São vinte milhões de habitantes
de todo canto e nação
que se agridem cortesmente
correndo a todo vapor
e amando com todo ódio
se odeiam com todo amor
são vinte milhões de habitantes aglomerada solidão
por mil chaminés e carros
gaseados a prestação.

Porém com todo defeito
te carrego no meu peito.

São São Paulo, quanta dor
São São Paulo, meu amor

Salvai-nos, por caridade!
Pecadoras invadiram
todo o centro da cidade
armadas de ruge e batom
dando vivas ao bom humor
num atentado contra pudor.

A família protegida
o palavrão reprimido
um pregador que condena
[um festival por quinzena]

Porém com todo defeito
te carrego no meu peito.

São São Paulo, quanta dor
São São Paulo, meu amor

Santo Antonio foi demitido
e os ministros de Cupido
armados da eletrônica
casam pela tevê
crescem flores de concreto
céu aberto ninguém vê.

Em Brasília é veraneio
no Rio é banho de mar
o país todo de férias
e aqui é só trabalhar.

Porém com todo defeito
te carrego no meu peito.

AUGUSTA, ANGÉLICA E CONSOLAÇÃO*

Augusta, graças a Deus,
graças a Deus,
entre você e a Angélica
eu encontrei a Consolação
que veio olhar por mim
e me deu a mão.

Augusta, que saudade,
você era vaidosa,
que saudade, e gastava o meu dinheiro,
que saudade, com roupas importadas e outras bobagens.

Angélica, que maldade,
você sempre me deu bolo,
que maldade, e até andava com a roupa,
que maldade, cheirando a consultório médico,

Angélica. Quando eu vique o Largo dos Aflitos
não era bastante largo
pra caber minha aflição,
eu fui morar na Estação da Luz,
porque estava tudo escuro
dentro do meu coração

*são ruas famosas da cidade, na região da Paulista (N. do P.)

A mais recente homenagem do Tom Zé a São Paulo tem a música "Tem das Onze", de Adoniran Barbosa, como base. Essa eu consegui o clipe:



Ao leitor interessando na paulistanidade da música do Tom Zé, eu recomendo uma visita à web-page do músico, onde você poderá conhecer outras preciosidades como "A briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel", "Interlagos F1" e muito mais.

Mas além de encantar e inspirar compositores baianos, até cariocas da gema já declaram em prosa e verso seu amor por São Paulo. Quer dizer, em música. Em 1992, o maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, vulgo Tom Jobim, um dos pais da Bossa Nova, compôs e gravou uma música em homenagem a São Paulo. Parece que ele não compartilhava da impressão injusta e jocosa de Vinicius de Moraes que chegara a declarar que a cidade era (sic) o túmulo do samba. Devaneio de gênio confuso, me arrisco a dizer. E vejam, ironia das ironias, Vinicius tinha em um paulistano (Toquinho), um dos seus melhores amigos e parceios musicais. Mas deixemos os devaneios do poetinha de lado e apreciemos letra da canção do Tom:

TE AMO SÃO PAULO

São Paulo, te amo
Te amo, São Paulo
Na tarde tão fria
Busquei teu calor,
teu amor em São Paulo
São Paulo, te amo
Pasión de mi vida
I love you, querida
Je t'aime São Paulo
Io ti amo São Paulo
I love you
Te amo, São Paulo
Te amo
Te adoro, te adoro
São Paulo, São Paulo,
São Paulo
Laiala laia la
Sonhei com você
em São Paulo

Como não poderia deixar de ser, o Rei Roberto Carlos, capixaba do município de Cachoeiro do Itapemirim, e gravou sua homenagem à terra da garoa, uma música do grupo paulistano Premeditando o Breque, cujos arranjos são um claro plágio de New York, New York, do velho blue eyes, mas que faz juz a grandiosidade da nossa Big Apple tupiniquim:

SÃO PAULO, SÃO PAULO

É sempre lindo andar na cidade de São Paulo
O clima engana, a vida é grana em São Paulo
A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo
Gatinhas punks, um jeito yankee de São Paulo

Na grande cidade me realizar
Morando num BNH.
Na periferia a fábrica escurece o dia.

Não vá se incomodar com a fauna urbana de São Paulo
Pardais, baratas, ratos na Rota de São Paulo
E pra você criança muita diversão e poluição
Tomar um banho no Tietê ou ver TV.

Na grande cidade me realizar
Morando num BNH
Na periferia a fábrica escurece o dia.

Chora Menino, Freguesia do Ó, Carandiru, Mandaqui, ali
Vila Sônia, Vila Ema, Vila Alpina, Vila Carrão, Morumbi
Pari, Butantã, Utinga, Embu e Imirim, Brás, Brás, Belém
Bom Retiro, Barra Funda, Ermelino Matarazzo
Mooca, Penha, Lapa, Sé, Jabaquara, Pirituba, Tucuruvi, Tatuapé

Pra quebrar a rotina num fim de semana em São Paulo
Lavar um carro comendo um churro é bom pra burro
Um ponto de partida pra subir na vida em São Paulo
Terraço Itália, Jaraguá, Viaduto do Chá.

Na grande cidade me realizar morando num BNH
Na periferia a fábrica escurece o dia
Na periferia a fábrica escurece o dia

Honras a cidade de São Paulo vieram (pasmem!) até dos pampas gaúchos. A banda portoalegrense Engenheiros do Hawaii também prestou sua homenagem:

SAMPA NO WALKMAN

Este sou eu
Parado na esquina
A mesma esquina em outra canção
(o barulho termina, começa a canção)

É a verdade
A-ver-a-cidade
Alguma coisa acontece no meu coração

Estas são elas
Tuas meninas
(nordestinas, erundinas)
tua mais completa contradição

Esta São Paulo
São tantas cidades
Nunca tantas quantas gostaria de ser

Ouvindo Sampa no walkman
(vidro, concreto e metal)
Ouvindo Sampa no walkman
Duvido de qualquer cartão postal

Este sou eu
Parado na esquina
A-ver-a-cidade, ouvindo a canção

Deuses da chuva
Demônios da garoa
Garotas propaganda além dos outdoors

FIESP, favelas
Ouro & ferro velho
Surfista ferroviário
(o contrário do contrário do contrário do...)

Esta São Paulo
São tantas cidades
Nessas cidades eu vejo a canção

Ouvindo Sampa no walkman
Samples de sons audiovisuais
Ouvindo Sampa no walkman
A ponte aérea, no metrô

Ouvindo Sampa no walkman (vidro, concreto & metal)
Ouvindo Sampa no walkman Duvido de qualquer cartão postal
Ouvindo Sampa no walkman Samples de sons audiovisuais
Ouvindo Sampa no walkman na Ponte aérea, no metrô
Ouvindo Sampa no walkman a walk on the wild side

Este sou eu
Na esquina, de novo
Tudo é tão novo quanto esta canção
?Será que alguém presta atenção?

De Belém do Pará, veio uma grande homenagem, quase um estudo sobre São Paulo, sua históia e seu cotidiano. Do mestre Billy Branco, Sinfonia Paulistana, cujo clipe encabeça esse texto, traduz a força de vontade e a disposição do paulistano. Lembro de pequeno, antes de ir para a escola, no café da manhã, comendo pão com napum* e café preto, minha mãe ligava o velho rádio a transistor na antiga rádio Jovem Pan, e vinheta do programa matutino daquele horário era um trecho dessa música e era como uma chamada ao paulista para o trabalho. "Vão bora, vão bora/Olha hora, vão bora, vão bora...". Eis a letra (comprida pacas):

*napum: requeijão cremoso, na língua do Plei (N. do P.).

SINFONIA PAULISTANA

Fazendo som com as estrelas, ligado no sideral
Por Maria, fez poemas, nas praias do litoral
As ondas contaram ao mar, por isso é que os oceanos
No mundo inteiro cantados, cantarão mais cem mil anos
E o homem entre mar e céu, tem canções por todo lado
Louvado seja Anchieta, pra sempre seja louvado
Navegante tem cantiga, que aprendeu no mar um dia
Qualquer rota que ele siga, se não canta, ele assobia
Cabelos cor da noite, pele de alvorada
Cacique entregou ao branco, a filha amada
Raízes de Brasil, chegaram até aqui
Abençoado o colo dessa mãe antiga
Por 400 anos feitos de cantiga, naquele doce embalo
Da canção Tupi
Na tez de uma paulista em cheiro de floresta
A cor de jambo é a índia, que ninguém contesta
De uma altivez que o Império nunca vira
É a tradição, é a raça, é a nossa origem
As coisas da história de São Paulo exigem
A honra que se faça ao nome de Bartira, Bartira
Era tudo, era o nada rio acima
Que o paulista no peito ia vencer
Pra fazer mais Brasil do que existia
Já um tempo era pouco pra perder
Reunindo oração e despedida na partida da horda triunfal
Caçador da esmeralda perseguida
Foi fazendo a unidade nacional
Bandeiras, monções
Já se dava por glória ao que se ia
Porque mal se sabia se voltava
E a benção levada já servia
De unção para quem por lá ficava
Nas monções quem seguia, na verdade
Já partia cheirando à santidade
Quem não via esmeralda ou não morria
Povoava cidade mais cidade
Bandeiras, monções, São Paulo
Que amanheceu trabalhando
São Paulo, que não sabe adormecer
Porque durante a noite, paulista vai pensando
Nas coisas que de dia vai fazer
São Paulo, todo frio quando amanhece
Correndo no seu tanto o que fazer
Na reza do paulista, trabalho é Padre-Nosso
É a prece de quem luta e quer vencer
Bastante italiano, sírio e japonês
Além do africano, índio e português
Tudo isso ao alho e óleo, temperando a raça
Na capital do tempo, tempo é ouro e hora
Quem vive de espera, é juros de mora
Não tem mais-mais nem menos, ou é sim ou não
No máximo se espera pela condução
Nas retas da Rio-São Paulo, chegando, chegando eu vim
Paulista é quem vem e fica plantando, família e chão
Fazendo a terra mais rica, dinheiro e calo na mão
Dinheiro, mola do mundo, que põe a gente na tona
Leva a gente ao fundo
Sim, senhor, sim, senhor, sim, senhor
Faz a paz e a guerra, traz a Lua pra Terra
No mais aumenta a barriga do comendador
Dinheiro, juras e juros, erguendo todos os muros
Pra ele próprio depois, derrubar, derrubar
É a voz que fala mais forte, razão de vida e de morte
Também só compra o que pode comprar
São Paulo, que amanhece trabalhando
Casais entram no elevador
O fino pra curtir um som: ran ran, ren ren, ron ron
A noite é sempre uma criança, é só não deixar crescer
Assim existe esperança, no amanhecer
São coisas da noite, anúncios conhecidos
Que enfeitam a cidade, em movimentos coloridos
Alguém vem do trabalho, do baralho ou do que for
Do La Licorne ao Ceasa, de alguma coisa do amor
Tem sempre mais um, que vem pela calçada
Na bruma que esconde quem sobrou na madrugada
Dei tempo ao tempo, o tempo é que não dá
Tenho que estar pelas sete, no Viaduto do Chá
Olha o Sol, olha o Sol, cadê o Sol? Onde o Sol?
Sumiu, sumiu, sumiu
Quando amanhece, o Sol comparece por obrigação
Nublado, cansado, um Sol de rotina
Se bem ilumina, nem dão atenção
É que o bandeirante não perde o seu tempo
Olhando pro alto, o Sol verdadeiro está no asfalto
Na terra, no homem e na produção
A cor diferente do céu de São Paulo não é da garoa
É véu de fumaça, que passa, que voa
Na guerra paulista das mil chaminés
São Paulo, que amanhece trabalhando
Começou um novo dia, já volta
Quem ia, o tempo é de chegar
Do metrô chego primeiro, se tempo é dinheiro
Melhor, vou faturar
Sempre ligeiro na rua, como quem sabe o que quer
Vai o paulista na sua, para o que der e vier
A cidade não desperta, apenas acerta a sua posição
Porque tudo se repete, são sete
E às sete explode em multidão:
Portas de aço levantam, todos parecem correr
Não correm de, correm para
Para São Paulo crescer
Vão bora, vão bora, olha a hora
Vão bora, vão bora, vão bora, vão bora
Olha a hora, vão bora, vão bora, vão bora
Que o tempo não espera, a vida é derradeira
Quem é vai ser, já era de qualquer maneira
O mundo é do "eu quero"
Quem me der é triste, tristeza basta a guerra
E o adeus no amor
Você onde é que estava quando o tempo andou?
Na terra que não pára, só você parou
Vão bora, vão bora, olha a hora
Vão bora, vão bora, vão bora, vão bora
Olha a hora, vão bora, vão bora, vão bora
O que vale é a versão, pouco interessa o fato
Porque a sensação maior é a do boato
Em coisa de um segundo, noite é madrugada
Notícia ganha o mundo, e a gente não é nada
Você onde é que estava quando o tempo andou?
São Paulo nunca pára, mas você, parou
Vão bora, vão bora, olha a hora
Vão bora, vão bora, vão bora, vão bora
Olha a hora, vão bora, vão bora, vão bora
São Paulo que amanhece trabalhando
Na Praça do Patriarca, rua Direita, São Bento
Na Líbero Badaró, no Viaduto do Chá
Lá está aquele moço, que não dá ponto sem nó
Na conversa bem jogada, vai vendendo geladeira
Pra esquimó curtir verão
Papo firme é isso aí, desse dono da calçada
Rei da comunicação
Olhe aqui, dona Teresa, o produto de beleza
Que chegou da Argentina, examina, examina
De brinde pra seu marido
Nova pomada pra calo que resolve a dor de ouvido
Tem Parker 73, compre uma e ganhe três
Nem paga o justo valor, mais outra ali pro doutor
Leve a lei do inquilinato, mesmo não sendo inquilino
Morar na lei é um barato, e ele prova à sua maneira
Que um ataque de besteira, faz de um doutor um otário
Cursando numa avenida o vestibular da vida
Para ser bom empresário
Ser do São Paulo, do Corinthians e Palmeiras
É ter o fino em futebol durante o ano
Em tênis, remo, natação, nas domingueiras
Bom é Pinheiros, Tietê ou Paulistano
Com Ademir, com Rivelino no gramado
Com rei Pelé e suas jogadas de veludo
Não pe de graça que São Paulo é chamado
Melhor da América Latina em quase tudo
Pró-esporte, pró-esporte é a solução
Pró-esporte, pró-esporte contra a poluição
Lá por setembro o estudante nos ensina
Aquele esporte pelo esporte que não cede
E o meu Mackenzie, dá um show com a medicina
Na grande guerra que se chama MacMed
No corre-corre mundial estamos nessa
Os Fittipaldi estão aí para dizer
Só em São Paulo que é a terra do depressa
A São Silvestre poderia acontecer
Pró-esporte, pró-esporte é a solução
Pró-esporte, pró-esporte contra a poluição
São Paulo jovem, dos que promovem velocidade
Nos seus cavalos, de roda e ferro, na sua forma de liberdade
O peito agarra, a costa de aço
Que deu garupa na Yamaha, no upa-upa
Feito de abraço e muito amor
São Paulo jovem, na mesma cela
Vão ele e ela, por onde seja
Deus os proteja, pelos caminhos da vida em flor
Tem coisas da Ipiranga, da Itapetininga, até da São João
Às vezes também dá
Puxar o show, o chope, o uísque, boa pinga
E o molho das mulheres que transam por lá
Tem loja, tem butique, tem pizzaria
Boate, restaurante, até casa lotérica
É rua que de nada mais precisaria
Com todo aquele charme do Jardim América
América, rua augusta
E agora, já é hora
E ninguém vai embora, embora de lá
Rua augusta, e agora, já é hora
E ninguém vai embora, embora de lá
Bartira e João Ramalho nunca imaginaram
Que a tanga e a miçanga vinham outra vez
Agora nos diriam vendo que acertaram:
Valeu o nosso amor, pelo amor de vocês
E a moça vai passando, e ninguém vê mais nada
Quando ela vai na dela, é pra machucar
É a paulistana boa, despreocupada
De short ou minissaia, pondo pra quebrar, pra quebrar
Rua augusta, e agora, já é hora
E ninguém vai embora, embora de lá
Na sinfonia, que é de todos os barulhos
De Santo Amaro, ao Brás, ao Centro, ao ABC
Por Santo André, Vila Maria até Guarulhos
Grande São Paulo, como eu gosto de você
São Paulo, que amanhece trabalhando
São Paulo que não pode amanhecer
Porque durante a noite, paulista vai pensando
Nas coisas que de dia vai fazer.

Mas além das homenagens rendidas por diversos brasileiros à São Paulo, os campos de Piratininga sempre foram férteis em musicalidade, e geraram safras e safras de nativos que fazem a boa música. Todos são incomensurávelmente importantes no cenário musical, mas tem um especialmente singular, tipo de coisa que só São Paulo pode gerar: um cientista que é artista. Paulo Emílio Vanzolini. Herpetólogo (= zoólogo especialista em peixes, anfíbios e répteis) e boêmio da noite paulistana, professor da USP que por muitos e muitos anos trabalhou (e ainda trabalha) no Museu de Zoologia, anexo ao Museu Imperial do Ipiranga. Também foi um dos idealizadores da FAPESP (Fundação de amparo à pesquisa do Estado de São Paulo). Na realidade, ele não é músico, mas compositor, e produziu uma pérola que é um dos simbolos do cancioneiro paulistano: Ronda, que foi gravada muitas vezes, mas ficou imortalizada na voz da baiana Maria Bethânia. A música, ao melhor estilo dos trovadores medievais, conta a história da desilusão de uma mulher, com desfecho trágico na noite paulistana:

RONDA

De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem encontrar
No meio de olhares espio em todos os bares
Você não está
Volto pra casa abatida
Desencantada da vida
O sonho alegria me dá
Nele você não está
Ah, se eu tivesse quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, esta busca é inútil
Eu não desistia
Porém, com perfeita paciência
Volto a te buscar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar
E neste dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar
Da avenida São João

Nessa linha samba-canção, o compositor paulistano Eduardo Gudin, fez uma linda canção chamada Paulista, que faz uma alusão a avenida mais famosa da cidade, e que foi imortalizada pela voz divina da musa Vânia Bastos (vejam também o clipe):

PAULISTA

Na Paulista
Os faróis já vão abrir
E um milhão de estrelas
Prontas pra invadir
Os jardins
Onde a gente aqueceu
Numa paixão
Manhãs frias de abril

Se a avenida
Exilou seus casarões
Quem reconstruiria
Nossas ilusões?
Me lembrei
De contar pra você
Nessa canção
Que o amor conseguiu

Você sabe quantas noites
Eu te procurei
Nessas ruas onde andei?
Conta onde passeia hoje
Esse seu olhar
Quantas fronteiras
Ele já cruzou
No mundo inteiro
De uma só cidade

Se os seus sonhos
Emigraram sem deixar
Nem pedra sobre pedra
Pra poder lembrar
Dou razão
É difícil hospedar
No coração
Sentimentos assim



Outra célebre mas pouco lembrada personalidade a música paulistana foi Miriam Batucada. Nascida Miriam Ângela Lavecchia, a moça do bairro da Móoca (o mesmo de meu pai), uma típica descendente de italianos, entrou para o cenário musical através do samba, que cadenciava batucando com as próprias mãos. A batucada ela aprendeu com uma colega em um salão de cabelereiros quando adolescente, a a obcessão dela com a percussão era tal que chegou a ser demitida do emprego de digitadora na Arno porque ficava batucando no teclado... Vinte anos de carreira, infelizmente poucos discos gravados (um deles em parceria com Raul Seixas), faleceu cedo, mas deixou esta bela canção que fora composta especialmente para ela:

O QUE VIER EU TRACO/TECO-TECO

Eu, quando canto meu sambinha batucada
A turma fica abismada com a bossa que eu faço
Mas eu não me embaraço porque não há tempo
Marco meu contratempo dentro do compasso
Quem não tiver o ritmo na alma
Nem cantando com mais calma faz o que eu faço
Samba canção, samba de black, batucada
Isto, pra mim, não é nada, o que vier, eu traço

Teco, teco, teco, teco, teco na bola de gude era o meu viver
Quando crianca, no meio da garotada, com a sacola do lado
Eu só jogava pra valer
Não fazia roupa de boneca nem fazia comidinha
Com as garotas do meu bairro, que era natural
Subia em poste, soltava papagaio e até meus 14 anos era esse meu mal

Com a mania de garota folgazã
Em toda parte que eu chegava, encontrava um fã
Quando havia festa na capela do lugar
Era a primeira a ser chamada para ir cantar
E assim vivendo, vi meu nome ser falado, em todo canto, em todo lado
Até por quem nunca me viu
E, hoje, a minha grande alegria é cantar com cortesia para o povo do Brasil

Ela também tinha adaptado a letra de Garota de Ipanema para a gíria paulistana. Ficou assim:

Ôrra que mina bacana
Que lomba, meu chapa!
Vou convidar ela, pra ir até a Lapa
Comer macarrão com fruto do mar...

Para os que nunca ouviram hablar de Miriam Batucada, eu consegui esse vídeo no YouTube:




Mas talvez o artista que mais sintetiza o que é ser paulistano, descrevendo a vida do cidadão trabalhador e comum da grande metrópole seja o saudoso Adoniran Barbosa. Típico paulista decendente de italianos, nasceu em 06 de agosto de 1910, na cidade de Valinhos, interior de São Paulo. João Rubinato (seu nome de batismo) mudou-se para a capital ainda jovem, e acabou crescendo nos bairros mais típicos da cidade (Bixiga, Lapa, Penha, Móoca, Tatuapé, etc), convivendo com a miscelânea de imigrantes que abundavam na cidade na época, incorporou toda essa rica cultura misigenada e tornou-se o mais paulistano dos paulistanos. Cantou a luta e labuta do cidadão comum na cidade que nunca pára; transformou em samba essa mania brasileira de rir da própria desgraça e de ter fé na vida. Enfim, cantou a alegria do povo. Pai de sucessos como Trem das Onze (eleita a música da cidade de São Paulo), Samba do Arnesto, Saudosa Maloca, Inês, Torresmo a Milanesa, Ponte da Casa Verde, Samba Italiano, Iracema e tantos outros... Adoniran é reverencado até pelos sambistas do Rio de Janeiro, tendo sido inclusive procurado pelo mais ácido crítico do samba paulistano (Vinícius de Moraes, que havia citado) para musicar a letra de "Bom dia, tristeza". Adoniran teve suas músicas gravadas por vários artistas da nossa música, como Gal Costa, Ivete Sangalo (Trem das Onze), Elis Regina e Clara Nunes (Iracema), Martinho da Vila (Inês) e muitos outros. Abaixo segue um clipe de Adoniran cantando com a pimentinha no tradicionalíssimo Bar da Carmela, no Bixiga:



Você, leitor vitorioso que teve a paciência de ler esse texto até o fim, deve estar se perguntando como alguém pode ter um gosto musical tão eclético quanto esse tal de Rodrigo Plei, que foi capaz de passar do samba-canção ao punk-rock como se tudo estivesse em um continuum musical?

Eu mesmo não sei.

Talvez porque eu seja o avesso do avesso do avesso do avesso, como dizia a minha avó, fazendo alusão ao meu gênio confuso com a música de Caetano Veloso à minha cidade.

Porque sou o avesso do avesso do avesso do avesso, como a cidade de São Paulo.

Salamaleikum, bênção, axé, shalom, namastê.

Plei

PS: Os nomes de artistas ou bandas que aparecem sem link no texto estão devidamente linkados no começo do mesmo (N. do P.).

PS2: N. do P. = Nota do Plei

Sunday, March 11, 2007

Os tipos de céticos


Como cientista, eu sou um cético por excelência.

Como pessoa comum, também.

Mas o que é o cetismo? O que é uma atitude cética? Muitas pessoas confundem esse conceito e acabam por deturpá-lo. Às vezes por ingenuidade, às vezes (infelizmente!) por pura maldade mesmo.

Cetismo vem do grego skeptomai, que poderia ser traduzido como investigar, considerar, ponderar e outros sinônimos do gênero. Grosso modo, o cetismo é uma atitude de questionamento frente a um fato, filosofia, idéia, etc.

Na prática, o cetismo se divide em duas vertentes: o cetismo científico, que é uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação, e procura prová-la ou desprová-la usando o método científico; e o cetismo filosófico, uma postura filosófica em que pessoas escolhem examinar de forma crítica se o conhecimento e percepção que possuem são realmente verdadeiros, e se alguém pode ou não dizer se possui o conhecimento absolutamente verdadeiro (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9tico). Eu me encaixo nas duas definições, mas por conta da minha profissão, sou muito mais inclinado à primeira categoria do que a última (Humm, redundante isso, mas vá lá...).

A antítese do cetismo é o dogmatismo que, novamente grosso modo, é uma visão de mundo que pretende ter explicações absolutas e inquestionáveis para tudo; é, pois, baseada no dogma que, no campo filosófico, é uma crença/doutrina imposta, que não admite contestação (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dogmas).

No cetismo, portanto, a dúvida é o preceito mais importante, ao passo que no dogmatismo, é a certeza (independente se verdadeira ou não) que norteia essa visão visão filosófica. Enquanto a primeira é a mais comum entre cientistas e pessoas mais, digamos, racionais, a última é a visão predominamte entre os fundamentalistas religiosos.

Ocorre que muitas vezes pessoas confundem ambos conceitos escorados na própria vaidade; aí o negócio desgringrola de vez. Há céticos e "céticos". Os que estão entre aspas acham muito bonitinho desqualificar todos os que não pensam como eles, ridicularizando crenças, supertições, e conceitos "alternativos" baseados em uma suposta "superioridade" (???) intelectual. Ao passo que os dogmatistas se deliciam ao taxar perjorativamente todos céticos de "impuros", "incapazes de ver a verdade", "satanistas" e outros adjetivos tão carinhosos quanto, desta vez baseados em um suposta "superioridade" (???) espiritual. Entre esses dois extremos encontramos os verdadeiros céticos (aqueles sem aspas) e os dogmatistas moderados.

Mas hoje aqui quero falar dos céticos com aspas, que doravante vou chamar simplesmente de céticuzinhos. Sobre os fundamentalistas, vou discorrer em outra oportunidade.

Você leitor agora deve ter notado uma certa dose de veneno no modo como eu grifei esse pequeno neologismo, tornando-o, agora, perjorativo.

Mas essa é exatamente a intenção.

Desde que me filiei ao site de relacionamentos Orkut, notei que a existência de céticuzinhos é especialmente relevante no mundo virtual. No mundo real eles são beeemmm mais escassos, haja vista que em 31 primaveras de existência eu nunca conheci unzinho sequer pessoalmente. Nem pra remédio. Minha amostra é, portanto, extremamente viciada.

Mas para os propósitos deste ensaio, serve. Há uma legião bem disseminada de céticuzinhos que se declaram ateus. Mas eles não são ateus porque não acreditam na existência quaisquer deidades (para os que não sabem, essa é a definição de ateu). São ateus porque não querem que nada sobrenatural exista, quiçá deixe a menor possibilidade de existência no ar... Se declaram ateus porque se acham céticos. Mas o que o céticuzinho não sabe (ou finje que não sabe) é que ser cético não é necessáriamente não acreditar em deus(es), qualquer que seja, uma vez que a atitude cética é duvidar e investigar, e não descartar totalmente todas as possibilidades. Nesse sentido, o céticuzinho em nada difere do dogmatista...

Mas, por favor, não interpretem errôneamente o parágrafo acima. Eu pessoalmente não tenho, nunca tive, e nunca terei absolutamente nada contra os ateus. Só estou analizando o ateísmo sob a ótica do céticuzinho.

O que também me impressiona nos céticuzinhos é a quantidade de tempo livre que eles dispõem para "debater" nos fóruns virtuais. Na realidade, acho que para o céticuzinho nada há de mais prazeiroso do que "debater". Desbanca o sexo, o futebol, o cinema, a praia, a família... Enfim, todos esses prazeres mundanos e irrelevantes (para o céticuzinho, é claro). Mas reparem as aspas (novamente) na palavra debater. É que, para o céticuzinho, as toneladas de ataques ferrenhos às idéias/religiões/opções alheias é debater. Pobre céticuzinho, mal sabe ele que o debate passa longe do ad hominem gratuito e desnecessário, não raro incremetados por generosísimas doses de xiliques, pitis e faniquitos, evidenciados pelas risadinhas nervosas ao final de cada parágrafo. Mais uma vez, aqui o céticuzinho em nada difere do seu suposto oponente intelectual, que é o dogmatista.

Chego a pensar que, na realidade, o céticuzinho é uma espécie de dogmatista às avessas. As razões são diferentes, mas o fundamentalismo, o ódio, são os mesmos.

Mas, qual será o futuro do céticuzinho? Irão eles dominar a sociedade com suas idéias céticuzinhas? Felizmente, na minha opinião, não. Porque? Porque o céticuzinho não sai do Orkut.

Para a felicidade geral da nação.

That's all folks!

Plei

Wednesday, March 07, 2007

Cajuína


Cajuína
Caetano Veloso

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina


Acho que não é mais segredo para ninguém que meu artista preferido é, sempre foi e provavelmente sempre será o Caetano. E quando digo artista preferido, eu estou considerando a obra, e não a pessoa. Eu, como admirador do artista, sei que ele muitas vezes não é coerente nas idéias ou posições expressas ou ditas, mas isso em nada ofusca a arte que ele produz e, lembremos, ele é apenas humano, como eu e você.

Portanto, anti-caetanistas, anti-MPBzistas e anti-brasileiros de plantão: larguem as suas pedras, não haverá necessidade de joga-las (nem em mim, nem no gênio baiano). Pelo menos não hoje.

Todos os que me conhecem já devem ter percebido minha "Caetania" em algum momento da nossa convivência. O que poucos sabem, no entanto, é que "Cajuína", cuja letra está no início desse texto, é a minha música preferida desse compositor. Obviamente, a letra, a melodia e os significados (implícitos e explícitos) desta música são belíssimos. É uma verdadeira obra-prima em língua portuguesa, em meros 8 versos, 56 palavras e 299 letras. Coisa até corriqueira para a genealidade desse baiano do recôncavo.

Mas tem algo sobre a letra que poucos sabem, e que quero deixar aqui registrado.

Reza a lenda que Caetano fez essa música depois de uma experiência pessoal-espiritual em uma das suas turnês. Conta-se que ele iria tocar em um clube em Teresina, capital do Piauí. Havia um rapaz do interior do estado que juntou um dinheirinho para comprar o ingresso e a passagem de ônibus para assistir ao Caetano na capital. Parece que esse rapaz era bem humilde e pobrezinho, mas fez questão de levar presentes para o artista, que tinha esperanças de encontrar depois do show. Os presentes que o moço estava levando eram uma garrafa de cajuína e uma rosa.

Ocorre que houve um acidente com o ônibus que ia para Teresina e o rapaz faleceu.

Alguns meses depois, o pai do rapaz teria enviado a Caetano uma carta falando do sinistro ocorrido com o filho junto com uma foto recortada de um jornal de Teresina. Na foto, tirada do público durante o show, aparecia o filho que havia morrido, portando a garrafa de cajuína e a rosa - os presentes que ele queria dar para Caetano.

Caetano então ficou tão impressionado e emocionado, que compôs essa música em homenagem ao moço. Quem agora sabe da estória pode ver seu significado na letra da música.

Mas reparem que eu usei termos como "reza a lenda", "conta-se", "parece", "teria". Isso foi proposital, pois no momento não tenho como verificar a autenticidade desta estória. Eu me lembro de ter lido em algum lugar, não lembro se em uma revista ou se em algum site da internet. [Anti-cético mode on] Sorry, incrédulos de plantão, mas nem a revista e nem o site eram espíritas ou tinham qualquer coisa a ver com espiritismo[Anti-cético mode off]. Vou tentar checar essa informação com a acessoria de imprensa do Caetano, mas não acho que esse é o tipo de e-mail que eles estariam dispostos a responder, nem acredito que uma mensagem minha com essa pergunta chegaria ao próprio Caetano.

Portanto, por hora, concedo-me o benefício da dúvida.

E o extendo a você, leitor.

Em tempo: a figura que ilustra o texto é a capa do disco "Cinema Transcedental", de 1979, quando "Cajuína" foi gravada pela primeira vez.

Namastê.

Plei

Tuesday, March 06, 2007

Capacho da honestidade: limpa TODA a sujeira...


Deviam mandar distribuir em Brasília.

Valeu, Laerte!

Plei

Monday, March 05, 2007

Olha a confusão aê, olha a confusão aê...


Hoje eu vou escrever sobre uma pessoa que sempre me fez dar risada, que é o meu tio Domingos. Na realidade ele é tio da minha mãe, portanto meu tio-avô. Nos primórdios desse blog eu disse que iria falar sobre as pessoas que fazem parte da minha vida. Porque comecei justamente com o tio Domingos, que está do outro lado de Atlântico e com quem agora tenho raro contato? Bom, nenhuma razão especial. Tinha que começar por alguém e dessa vez foi com o tio Domingos...

Mas o que meu tio Domingos tem a ve com a cena lúdica entre dois testudines que ilustra o começo do texto? Well, é porque essa é uma lembrança de infância, e o título do texto ilustra esse encontro amoroso.

Imaginem a cena: aniversário de algum primo(a) de segundo grau, a família toda na casa do tio Domingos, a criançada correndo pra lá e pra cá. Tia Maria (esposa do tio) se desdobrando em mil para receber os convidados, servir os comes e bebes e ficar de olho na molecada (ainda correndo de lá para cá, de cá para lá...). Tio Domingos no quintal, tomando conta do churrasco feito naquelas churrasqueiras de 1/2 tambor de óleo, já mamadinho de "Brahma" (está entre aspas porque vou contar depois) e já destilando alegria e bom humor (quando sóbrio ele é mais reservado). A molecada entra correndo (eu entre eles) no quintal, aquela gritaria, todo mundo em polvorosa quando, de súbito, silêncio entre a petizada: um de nós percebeu que os jabutis do tio estão se divertindo. O tio olha para a molecada, olha para os jabutis, olha para os adultos, com o copo de cerveja na mão e uma das sobrancelhas levantadas, um dos olhos semicerrados, e só diz: "Olha a confusão aê, olha a confusão aê..."

Para você leitor que não testemunhou a cena, pode parecer estranho que essa lembrança me cause frouxos de riso, mas quem viu sabe do que falo...

Outra coisa que me encantava é que na casa do tio Domingos tinha umas lembanças de Poços de Caldas, se não me falha a memória de criança de 8 anos de idade e que eu achava o máximo: um daqueles mafagafos espetados em um arame, que você puxava até a extremidade superior do mesmo e ele ao descer ia tremendo...

Para quem não sabe o que é um mafagafo, aqui apresento uma foto:

O Mafagafo, após um banho de ducha

Outra boa lembrança dessas festas na casa do tio Domingos é que a tia Maria preparava uns belisquetes que não se encontra mais hoje em dia. Toma-se um palito de dentes (tem que ser da marca "Gina", senão não é a mesma coisa), espeta-se uma rodelinha de salsicha cozida, um picles, mais uma rodelinha de salsicha e outro picles. Voilà. Um quitute memorável, que infelizmente saiu de moda...

Agora a Brahma. Tio Domingos gostava só de Brahma. Kaiser, Skoll, Antarctica, para ele, eram cervejas de qualidade inferior. Mas ocorre que depois da segunda, ele já não era capaz de diferenciar mijo de cerveja. Era brinquedo entre os homens da família trocar os rótulos da cerveja quando tio Domingos já estava "alto", e depois inquirir sobre a identidade da mesma:

" - Ô tio Domingos, tá boa essa Antárctica?"
" - Que Antárctica? É Brahma, pô!"
" - Que nada tio, a gente trocou os rótulos..."
" - Imagina! Eu conheço! Eu conheço!!"

Bons tempos esses, que infelizmente vão. Mas pelo menos ficam na memória como aquelas boas lembranças familiares, que ajudam a gente a viver nos momentos de adversidade.

E as risadas que sempre dou ao ver um jabuti.

"- Olha a confusão aê, olha a confusão aê..."

Plei